31.7.12

Origami


Como em um dia de descuido que aventa por entre meus pensamentos, essa tarde em que decidi desistir de tudo. Estou como uma folha pousada na beira do canal, dentre tantas misturadas na calçada. É um dia comum, com nuances de céu avermelhado crepuscular e as ondas soçobram seu vai e vem manso lambidas pela brisa preguiçosa. Minha alma não está mais intacta, fora despedaçada, bem como, foi partido ao meio o nosso acordo de não nos magoarmos.
Fico observando o sol indo deitar-se sentindo o carinho da noite nos cobrindo como amantíssima mãe. Percebo que já estávamos embriagados pelo orgulho e dormiremos o sono do absinto eterno e só despertaremos quando os sonhos escancararem as suas janelas para que dentro deles possamos saltar.
Deixo que o vento me varra por dentro e por fora, me arremessando nas pedras desalinhadas e pontiagudas que me vincam e me marcam em dobraduras. Quem um dia não se sentiu um origami nas mãos do destino, que me julgue e me condene a voar esse vôo solitário.
Estou aqui como em vestimentas de pássaro colorido ensaiando seu primeiro vôo no abismo, salve-me antes que eu me atire para bem longe de ti!

29.7.12

...Versos magros...


Mais uma noite avança me sorvendo em goles...
Da ponta do cigarro dança a fumaça que não traguei...
Linhas de pespontos que transpassam em mergulhos fundos a alma adormecida...
Já não consigo conter esses versos magros que escorrem por entre meus dedos...
São eles o elixir que me mantém adormecida em nimbos coloridos a cozer esse véu que me aparta do mundo cinza...
Empresto as asas dos anjos e vôo no bafejo quente das minhas profundezas...
Faço festa nas frestas das páginas de noite orvalha nos arrebóis da saudade...
E no chão do céu saltito entre as estrelas que vão se apagando sobre as marcas que deixo com meu passo amador...
Já é hora de despertar e tudo que ainda posso, é pegar carona na cauda desse cometa que me rasga a fenda por onde o dia começa a escoar...

26.7.12

...Descompasso...


Minhas dores me esfarelam...
Minhas lágrimas são profundas...
Minhas alegrias não cabem em nenhum lugar...
Minhas imprudências me apartam de mim...
A vida todos os dias me aufere o direito do descompasso da sua balança...
Acordo sempre com a leve impressão...
O equilíbrio dos meus exageros...
Será o peso certo da certeza...
Não mais precisarei existir! 


*
*
*

"Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio de asas.
 Como quereis o equilíbrio?"
[Mourão-Ferreira]





24.7.12

...Margem...


Se pudesse eu materializar este instante...
Seria a fonte corredeira de águas límpidas e frescas...
Onde todos os amantes se banhariam...
Onde todos os solitários jogariam suas moedas desejosas...
Onde todos os que tem sede de vida beber-me-iam  num gole só...
O que faz de mim ser tão pequenina como as gotas que se unem para se deixarem ir?
O que faz de mim ser mulher que abdica do seu bem mais precioso assim?
Não discuto com o prosseguir do tempo que vai me arrastando, me esfolando por entre as pedras num curso de rumo próprio...
Não me rebelo contra a natureza...
Não porque não tenha forças...
Mas por ter um amor maior que Eu...
Que impede de erguer-me com bravura...
Cedo passagem à necessidade que Tu tens de afastar-se cada vez mais de mim...
E antes que eu me vá por inteira...
Banhe-se na minha profundidade...
Deseje o que nunca foi desejado...
E num único gole...
Mata-me na tua sede...


*
*
*




Deixo aqui, uma homenagem à Margem, uma das prosas poéticas mais linda, que já li. 
Autoria da estimada poetisa 
Vania Lopes
Ela diz o que sinto, da forma mais visceral e linda que eu jamais conseguira dizer:

23.7.12

...Vestígios...


Não obstante ao curso vida...
Da boca fogem-me as palavras...
Por ter um céu preenchido de estrelas...
E um olhar transbordante de emoções incontidas...
Imagens reversas que me desconstroem a cada amanhecer...
Sou todas as palavras que não precisam ser ditas...
Os gestos holográficos vão me traduzindo à fogo...
Impressos vestígios e nuances de memória que trago na pele...


*
*
*

"Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas...me faz sonhar!"[Vincent Van Gogh]

21.7.12

Sorriso de estação


Escancarei os portais do desapego. Que o sol projete seus matizes na parede da noite escura que se fez em meu peito [amor]dormecido e carente.
Despeço-me do inverno com os olhos embaciados de emoção. Lá se vai ele empilhando as malas no canto, enquanto eu corro pela estação. Na plataforma da vida, um emaranhado de transeuntes apresados, alheios ao novo ciclo que se faz em mim. Uns chegam e outros partem. Uns trazem tantas bagagens outros apenas malas de mão.
Não posso dizer que não sentirei saudades, mas, posso dizer que nem sempre temos a chance de escolher quem fica e quem vai.
Aceno para a fumaça que vai desenhando no céu a tua face, enquanto, os vagões te apartam, calmamente, para longe dos meus olhos. Recolho as lágrimas da despedida no lenço que um dia foi a nossa bandeira de esperança; e percebo que de nada adianta meu choro, se nem mesmo as flores que um dia me ofereceste como mimos de amor, sobreviveram ao inverno das nossas almas geniosas.
A vida é mesmo uma partida sem volta. É um caso de amor que nasce de nós - e parte de nós se vai, quando acaba.
Volto à face em direção ao horizonte, e aguço meus ouvidos ao assovio do vento, que agora, límpido e indecifrável me murmura segredos, ainda, inconfessáveis.
Tenho também que partir. E assim, antes que inteiramente me vá, oferto-te o meu sorriso - a parte de mim, que ainda, sobrevive sem Ti!

..Interstício...


Os raios do sol se esgueiram pelas fendas da noite...
Desenhos de luz que se projetam na parede...
Cenário pueril que sobrevive alimentando-se a goles miúdos...
A terra sobre meus pés suspira como se fosse maré calma...
Prenunciando que o tempo de escuridão fechará sobre si mesmo...
Abro o peito ao vento novo...
Oco do meu mundo de solidão...
Desembaço os olhos...
Espelhos cansados de verter tristezas...
Mudo o figurino da alma cinza de outrora...
E mesmo que seja apenas um solo de flores breves e quimeras...
Dispo-me ao banho desse perfume novo...
Entrego-me aos macios pinceis do tempo...
Que se faça também sobre as minhas asas...
O colorido dos risos...
Pois se...
O tempo é apenas uma breve lacuna...
Que não passe por mim...
Assim...
Como mera folha em branco de um triste folhetim...

18.7.12

...Argumentos...


Não me lembro mais do cheiro da lama preso no solado da bota...
Nem do perfume das flores que macerei entre os dedos na hora da raiva incontida...
Cavalgo nas horas mortas para me sentir mais viva...
E já não me importo que a noite adentra no meu quarto para confabular com a insonia...
Prossigo...
Imperfeita, visceral, simples e complexa...
Peregrina invisível envolvida em tênue película de solidão...
Deixo que vida percorra os gélidos rios do corpo abandonado...
Tamborilo uma marchinha na aba da mesa para aquecer meus dedos de ilusão...
Onde estão os meus vendavais e furacões?
Onde estão os meus dias de chuva e os raios de sol?
A poesia é um alento...
A música um bálsamo...
E nas estrelas que não consigo enxergar...
Agora...
Estão todos os sonhos...
Estou vencida...
Duelando com o medo...
Transbordando...
Preenchida de vazios...


15.7.12

...Brevidade de instantes...


Hoje o universo está em festa!
Uma conjunção de planetas. Um choque de estrelas.  E entre o firmamento e o silêncio do infinito, por entre as nuvens, sempre houve deuses em plena criação.
Sim...
De que serviriam as nuvens se não para que os mortais pudessem construir seus castelos. Protegerem-se dos seus medos. Ou fazer deles seus abismos de vertigens?
A humanidade só sobrevive se houver emoção!
Sentimentos primitivos e genuínos que bombeiam a vida para fora das suas redomas mortais, onde certo e errado é validado pela referencia de quem observa.
E nesse dia em especial, nessa brevidade de instante, os deuses teceram os longos dedos apropriados para esculpir as nuvens...
E nessa permanência de instantes, rendo graças por ter esse momento existido em mim.



Olho no olho do céu de hoje com olhar de ontem...
Seriam só nuvens se não fossem esses dedos longos a desenhá-las...
Seria só música nostálgica do vento...
[Mas parece ter sido especialmente composta para manter-me acordada sempre]
Por mais cansadas que minhas pálpebras estejam...
Hoje eu sei...
Nunca deixarão de espelhar-te...
São as janelas da minh'alma que permanecem abertas...
E...
Esse vento que ainda sopra em mim é a certeza...
Dos meus castelos...
Dos meus medos...
Das minhas vertigens...
É a certeza de que enquanto Eu existir...
Tu existirás...
Também...
..e talvez...
Apenas em mim!

...Sonho de sonho...


Escutou o soar do último toque, desceu a escada rolante e como uma flecha, projetou-se para dentro do vagão do metrô. Praticamente não, chocou-se literalmente como um morcego surdo em uma muralha de costas, que impediram que caísse. Rubra de vergonha pela sua traquinagem, viu que aos seus pés, estava um livro. Tal foi seu susto ao reconhecer a capa – era o “seu livro”!
Pegar um livro seu, escrito por ela era uma emoção que jamais conseguiria descrever. Os olhos sempre alagariam o que o coração não conseguia conter. E ao olhar ao redor, um par de lentes escuras a olhavam. Ela disfarçando a emoção então, perguntou:_É seu? E ele ajustando os óculos e equilibrando-se no surf do metro lhe respondeu: _ Sim, obrigado.
Era a primeira vez que estava assim, cara a ara com um leitor seu. Quando criara aquele pseudônimo, queria continuar no anonimato, ter a sua vida preservada, gostava de ser tantas e ser apenas ela. Imagina o descompasso do seu coração, era difícil não crer, que aquele barulho, fosse apenas do trem percorrendo as entranhas da cidade e não, do seu sangue correndo nas suas veias. Não perdendo a chance foi logo dizendo: _ Eu já li esse livro. E disparou: _ voce está gostando?
O trem para na estação mais movimentada, quase todos descem e eles foram sendo meio que levados pela “onda” humana. Conseguiram acomodar-se em um canto, enquanto outras tantas pessoas entravam apressadas, tanto quanto ela em extrair ao máximo do seu leitor.
Ela lhe olha, quase que arrancando sua resposta, estava certamente com olhar aflito e ele responde sorrindo meio tímido: _ sim, gostando muito. Estou quase terminando.
_Há alguma coisa que lhe chama atenção? Tipo assim-, consegue ver alguma mensagem subliminar?
_Olha, diz ele - o tema é muito interessante, comprei o livro pela curiosidade em saber como alguém discutiria o “Banquete” de Platão em um romance contemporâneo.
_ E o que achou da proposta, foi atingida? Perguntou ela, sentindo como se todas as suas vísceras estivessem ficado na estação anterior.
_ Foi uma proposta ousada, mas me surpreendeu – emendou sacudindo o livro no ar. Mas tenho uma teoria sobre o autor.
_Qual? Pergunta ela num fio de voz.
_ O autor certamente é uma mulher – disse ele, agora sorrindo olhando para a paisagem de concreto do túnel.
_ O que o fez chegar a essa conclusão?
_ Agora quero saber a sua opinião, voce também leu o livro - olhando-a fixamente.
_ Acho Platão um machista!
O sinal da próxima estação soou mais vezes que o habitual. Era seu despertador que tocava quase que a sacudindo da cama. Estava sonhando!
Levantou-se atordoada, fora só um sonho...voou para o chuveiro, estava mais uma vez atrasada, nem poderia degustar sua torrada como gostava, comia enquanto se arrumava, arrumava a bolsa e checava se havia comida suficiente para o gato. Saiu em passos largos para a estação, descendo a escada rolante correndo. Último sinal, voou para dentro do vagão antes que as portas se fechassem, chocou-se nos passageiros, viu o livro aos seus pés...
Abaixou para pega-lo com um sorriso nos lábios, hoje definitivamente chegaria atrasada no serviço.

14.7.12

...Contornos...

Aquarela de Dircéa Mountfort (Dircéa Alves)
Sinto com a ponta dos dedos tua textura todas às vezes que meus olhos se abrem para dentro de mim...
Quisera eu poder tocar-te agora e banhar minha saudade na saliva do teu suor...
Meu corpo arfaria abafado...
Como se o começo de mim fosse o fim de nós entrelaços ardentes...
Caminhos secretos que nos levaria sem intenção de querer nos trazer...
E então nesse instante tocaria com minha alma a tua...
Com todo o pudor transmutado em querer...
E deixar-me-ia correr vertigem em teus contornos...
Absorvendo-te como se em meus lábios pudessem reter todo o teu gosto...
 E sei que pronta...
Minhas fendas se apartariam recebendo-te sumo e sal da terra...
E germinaríamos enfim adormecidos...
Despertando o universo...
Como n’uma pintura de aquarela...
Agora...
Tudo pudesse caber...

13.7.12

Reverência Insone


Sento-me no beiral do telhado do sono. Poderia de olhos fechados balançar-me nas bordas da lua, mas a sua palidez me intimida na mesma medida que me encanta. Aqui deste cimo solitário e noturno, posso avistar os percursos que as estrelas fazem, para serem tocadas pela boca da noite.
Nesse instante, me vejo como um pequeno grão que foi levado pelo vento e quiçá, tivesse tido a ousadia de penetrar o ventre da terra, quiçá hoje, teria raízes profundas.
O vento me traz o perfume das damas da noite, derrames de gotas de orvalho e deixo-me levar, também pelo olor generoso que a despeito de qualquer opção, nunca nos furta da sua presença.
Escuto ao longe os passos dos seixos que se deixam rolar no murmurar das águas.  Não importa a altura que tenha esta vertigem, mãos que aparam a queda e vão polindo as arestas, acolhendo em seu seio, deixando escorrer nas reentrâncias das suas saias, até que possam brilhar nos seus olhos de Mãe D’água. Ah como é fácil abandonar-se quando se sabe que o destino é o mar!
Descubro a cabeça em reverencia a vida que vai aos poucos acordando, despeço-me da insônia que vela as minhas noites, companheira inseparável e que de alguma forma, agradeço, pois sem ela, não teria a chance de reverenciar mais esse amanhecer.

11.7.12

...Gangorra...



Foi-se o tempo...
Em que despetalava-me  bem-me-quer...
E ...
Forrava a calçada da fantasia com beijos acompanhados de ontem...
Foi-se o prazer...
Em que mergulhava para morrer nas minhas vivas reentancias...
Absorvendo meu mundo num único trago de ais...

Enquanto...
Refrescava-me no sopro da boca da noite...
Meus lábios...
Ontem caminhos oblíquos de paraíso...
Hoje estradas e vales desertos de nenhum lugar...

O que importa...
Se um dia fiz gangorra no cavalo de Tróia...
Hoje...
A única coisa que agora avisto é o barco...
Que se aproxima remando as águas escuras...
Rios, nascentes dos olhos meus...


O que adianta...
Se vivi passando a limpo a vida...
Só poderei levar o que couber no meu coração...
E este...
A muito foi trancado por dentro...
A sete chaves forjadas por uma noite sem fim...

Hoje sou tudo...
Tudo que sou...
É apenas o que restou...

Nada além de um baú de rascunhos...
E...
Balança insone à deriva de mim...

8.7.12

...Cartilagem...


Desmancho devagar a pele sob esse orvalho amanhecido...
Veias congestionadas de uma metrópole que se implode a cada amanhecer...
Como se a vida toda coubesse num pequeno embrulho de papel de seda...
E a alma voasse nos céus como uma pipa desgovernada...
Uma simplicidade de laços que se desfazem ao leve toque de recolher dos cometas que singram o céu...
Onde a linha tenue que aparta os homens dos deuses desfaz-se na beira da aurora...
E esse naco de carne descansa sob sua lápide de gelo...
Todo seu cansaço...
Todas as dores...
Todos os prazeres...
E o cerne dessa história sustentado como uma cartilagem agarrada aos segredos do sagrado infinito...

3.7.12

...Sujeito Oblíquo...


Um pássaro ferido sobrevoando em direção ao nada...
Uma fenda oblíqua que expulsa o segredo da concha expoente do silêncio...
Uma réstia de sol por entre as tábuas de banco abandonado no jardim...
Uma sombra que se desgrudou da parede adiando seu encontro consigo...
Os pés ao contrário do fim do caminho...
A notícia de quem nunca foi...
O projeto que virou pesadelo abandonado no leito do rio...
A quimera despetalada...
Rumo sem direção...
Noite sem dia...
Plantação sem colheita...
Início do fim...
Onde está o pronome?
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...Sobre Imagens...

Informo que algumas imagens utilizadas aqui, não são da minha autoria, tendo sido em sua maioria, provenientes do google imagens. Ficando assim, à disposição dos seus respectivos autores, solicitarem a retirada a qualquer momento.

Fiéis escudeiros! Fàilte!