[Baú de tecidos]

Uma mochila aberta...não por acaso...
Dedico esse espaço às texturas e tessituras da minha alma sublevada...são textos mais curtos que a minha imaginação e mais longos do que eu possa alcança...
Um véu, um manto...tramas que me encobre e desvendam o que sinto e pressinto ao longo da minha caminhada...
...os vincos e suas dobraduras...



Enlaçando os dedos Solidão
(2011)
A tarde já ia tão longe que alcançava a noite. Alquebrada pela labuta semanal, resolvi saborear um café antes de entrar em casa. Fui pensando no final de semana que viria, admirando o momento em que o dia dilui-se à noite e que particularmente, me encanta como se fosse visto pela primeira vez. Deixava a mente vagar morosa, equilibrada sobre os traços dos planos que havia para o feriado prolongado, já que precisava me habituar pensar a dois.
Cheguei ao café e por sorte, minha mesa predileta estava vazia. Interpretei como um bom presságio. Analisando hoje, acredito que tenha sido realmente. Tenho uma amiga que usa uma frase - “momentos mágicos” – e é disso que falarei agora, de um momento mágico.
Cliente assídua, só precisei fazer um gesto e meu café estava materializado na minha frente. Esses rituais me agradam deveras. Mesmo antes de levar a xícara aos lábios, fui arremessa para a realidade. Quem me conhece sabe que meu pseudonimo é solidão. Gosto mesmo sem nenhum pudor, mas, não contava que nesse dia a sentiria entre minhas mãos.
O som de uma cadeira sendo arrastada, um breve pedido de desculpas e já instalado a minha frente, estava ele, o barqueiro. Talvez esteja sendo um tantinho irresponsável no uso dessa denominação, mas foi assim que me senti. Primeiro olhei para ele com um olhar talvez de reprovação, traduzido pelo sorriso amarelo que me endereçou. Mas, sei que logo que o fitei nos olhos, o meu arrependimento também se fez palpável e então ingressamos em algo que só consigo denominar como papo sem pé nem cabeça.
Não pronunciei meu consentimento, nem tive espaço para faze-lo, pois logo a seguir estava recebendo uma torrente de “elogios”- acredito que uma maneira gentil de desculpar-se pela audácia - e lhe respondendo com um certo tédio, a um questionário que pelo tempo passado, pouco me recordo:
- Uma moça de olhos melancólicos sozinha num café, vem sempre aqui? Nunca te vi?
Abro a boca e forço o som a sair: - talvez...
- Perdoe-me, mas lhe vi sozinha e como também estou solitário...
Abaixa a cabeça e se cala por um instante, tempo suficiente para que o meu desconforto se afastasse e eu esquadrinhasse sua figura. Um homem de estatura mediana, não sei precisar a idade – dos 60 aos 70 diria - cabelos castanhos claros, fios grisalhos salpicados. Bem vestido, mas barba por fazer e magro. Foi o que o tempo permitiu-me ver.
Quando me olha novamente, eu já estava com uma certa complacencia num tímido sorriso e então ele recuperou o folego numa generosa golada de café:
- Voce sabe o que é a solidão?
E antes mesmo que eu iniciasse o meu discurso sobre conhece-la, gostar, bla, bla bla, ele emendou:
- Tenho certeza que não. Mas hoje está diante de um homem que quando dorme, acorda abraçado com ela.
E suas palavras estavam vestidas pelo olhar mais dolorido que já vi na minha vida. Não era uma dor física, nem era um sofrimento proporcionado pelas mazelas vida. Mas era uma dor de quem fere a si mesmo. Um sofrimento de saudade de quem não sabe, nem mais, do que nem porque que. Meus olhos me traíram, alaguei o momento sem permitir que transbordasse. Sufoquei-o no meu melhor sorriso. Ele também sorriu, desta vez sem nenhuma cor - disfarcei me servindo de um cigarro.
Contou-me dos dias que não tinha coragem de voltar para uma casa vazia e das suas noites em bordeis baratos. Do quanto tinha que pagar para ter uma pseudo companhia e do quanto se sentia explorado, mesmo tendo que pagar alguém para se sentir ainda mais só.
Tudo isso foi sendo derramado entre nossas xícaras de café e o meu silencio por falta de palavras. Por que eu tinha que saber de tudo isso? Lembro-me do exato momento em que pela primeira vez fui tocada, de forma material, pelas mãos frias da solidão. E posso lhes garantir - não foi só meu corpo quem estremeceu:
- Posso?
Já tendo alcançado minha mão sem que eu tenha tido opção de recusa. Não posso dizer que estava calma, muito menos nervosa. Sentia-me inteiramente esvaziada!
Mas, já que tive essa chance, que fosse completa. Envolvi sua mão entre as minhas e olhando nos olhos lhe disse:
- Não sei o que lhe dizer, nem sei por que estamos aqui. Não me sinto em condições de lhe aconselhar, acredito que nem a voce nem a ninguém, como também sei que não sou a solução para suas dores - tenho apenas o calor das minhas mãos para lhe oferecer - já que fomos unidos pelo universo, alguma razão há de existir. Preciso ir embora, e quero levar desse encontro uma oportunidade à reflexão:
- Por que nos autosabotamos?
- Qual a medida certa do amor próprio?
- Como queremos chegar ao fim da linha da vida?
Antes que ele tivesse chance de réplica, esse portal foi fechado pelo som da campanhinha do meu celular dentro da bolsa. Estava confirmado que era realmente a hora de partir. Não me cabia saber as suas respostas.
Atendi o celular. Em despedida lhe estendi a mão, desta vez por vontade própria e recebi um beijo:
- Vá menina bonita dos olhos melancólicos, seja feliz, não faça a vida lhe esperar...
Saí andando como se a calçada não existisse sob meus pés. Me senti como se tivesse andando sobre águas. Fui invadida por uma serenidade que até hoje sinto quando me lembro desse episódio, mas ainda não sei como traduzir tudo isso em palavras e por isso, nunca havia contado a ninguém.
Fico às vezes pensando sobre nossas escolhas, são tantos os caminhos. Depois desse dia incorporei mais um ditado a minha vida: não há caminho certo, seja qual for a minha escolha, tenho a obrigação de chegar bem ao seu final.
Bem, se “ainda” estou viva - Um brinde aos meus tropeços e aplausos às minhas conquistas...e assim...entendo que isso seja felicidade.





Serpenteando
(2011)
Sim...”Mea Culpa”... 


Por não ter mãos...e nada vir a ofertar... 
Retire do mim o que lhe é de direito... 
E se rastejo é para que ninguém nunca siga meus passos... 
Mas também nunca duvide que eu possa voar... 
Já me basta carregar a culpa de uma invejosa Eva que desejou possuir o que não lhe pertencia... 
Por ter sido tão ingenua e lhe mostrar o que havia de paraíso na vida... 
Como um simples degustar de uma maça! 
Desconheço o significado de pecado... 
Meus desejos são “originais”! 
Nada é absoluto... 
O que veem veneno letal... 
Pode ser antídoto... 
O que é relativo vai sendo deixado ao longo do caminho... 
Sem pudores vou trocando de pele... 
Eu posso... 
Sou Serpente... 
E só quem é...sabe! 
...quem suporta carregar a culpa... 



[me ame pelo que represento para voce...não me julgue aquilo que necessita que eu seja]






Sobre  a Mesa
(2011)
Atravessou a avenida sem perceber o seu desalinho. Barba por fazer, terno amassado, chapéu enterrado na cabeça e as mãos dentro do bolso, numa inútil tentativa de proteger-se do inverno, que tomava conta da sua alma. Assim ensimesmado, entrou na lojinha escondida de secos e molhados da ruela mal cheirosa. O lixo estava espalhado pela calçada, sinal de um abandono proposital. Sabia que só ali, encontraria o que procurava: a CURA.
Arthur estava no balcão como se já o esperasse. A muito não se viam, desde aquela última tarde em que chegara, quase nas mesmas condições, em busca da poção que o transformara nesse ser desprezível. Amigos de infância, cresceram juntos, na mesma rua e por motivos adversos separaram-se. Arthur, sempre fora uma criança diferente e um rapaz mais ainda, possuía dons de clarevidencia, que exacerbaram-se na puberdade e isso certamente o diferenciava dos rapazes “normais”. A sua loja, garantia o seu sustento, mas, dizia-se a boca pequena que era um bruxo e manipulava poções mágicas.
- Preciso de voce! Quase inaudível, disse no mesmo instante em que levantou os olhos e tirou o chapéu. Arthur, o encaminhou ao quartinho dos fundos da loja, sem dizer uma palavra. Acomodou-se em uma das cadeiras da mesa central e o viu sumiu entre as prateleiras.
Fora num impulso cego que chegara até ali. Desde que recebera a notícia de que ela estava sucumbindo, não dormira mais. Vagava nas noites insones pelas tabernas como um espectro. Enfim, cedendo a sua consciencia que ardia de remorso, decidiu. Mesmo estranhado a presença do remorso, havia abdicado dele, bebendo a poção do esquecimento; pagando o preço de ter os seus sentimentos extraídos para o preparo de um elixir: jamais amaria novamente. Mesmo sabendo de tudo isso, agora seu peito que imaginava inerte...ardia!
O retorno do amigo libera sua respiração, já não se importava com explicações, viera em busca de uma solução e sabia que ele, seria a única pessoa capaz de promove-la.
Sobre a mesa, Arthur depositou dois delicados e pequenos fracos, transparentes e sem rótulos, com liquidos de cores diferentes:
- Esse, mostrou o verde – traz a cura para a enfermidade física;
- Esse, mostrou o azul – traz a cura para a enfermidade da alma;
Mais uma vez, a escolha é sua. Os dois, contém o que extraímos de voce. Siga sua intuição e lhe ofereça o que ela precisa para se curar.
Olharam-se com olhos de última vez e partiu apressado, sem olhar para trás.
(continua)

********
Não se dera conta de quanto tempo passara ali, mas ao sair na rua a tarde já caía. O frio acentuava a melancolia e sua angustia aumentava. Sabia que precisava ser rápido, algo dentro de si, dizia, que a urdidura do tempo entrelaçava as tramas se fechando num tecido espesso, e logo a noite cobriria tudo, numa única desolação.
Chegou nos aposentos, as pessoas em volta do leito, silenciosamente se afastaram. Passou a mão nervosamente no volume que trazia sob o paletó, todo homem necessita de uma espada no momento do embate final. Mais confiante,  chegou aos pés da cama, a viu inteira. Suas retinas contraíram-se, quase querendo saltar-lhe de órbita. Sentiu uma dor, como jamais imaginou sentir. Sobre a cama, coberta de alvo linho, estava Ela. Uma camisola fina de cambraia lhe cingia um corpo descarnado, esparramadas madeixas sobre o travesseiro, adornavam, aquela face que nas suas lembranças lhe transportavam a um oásis, sempre úmido, um sorriso de mil sois; queria ter podido aspirar seu perfume de tamaras maduras, como outrora, mas agora, apenas um deserto sem vento, ressequido de emoções. E os olhos, aquelas janelas de céu estrelado, encontravam-se cepucralmente cerrados.
Contornou a cama e bem de mansinho, quase como uma pluma, pousou o corpo. Ela se mexeu, como se soubesse que era ele e aninhou-se no seu peito, como sempre fizera. Uma gata que ronrona no colo do dono. Acreditou te-la visto esboçar um sorriso. Fechou os olhos por um momento e também sorriu. Um sorriso de guerreiro na volta ao lar, no aconchego familiar, quase um merecido descanso depois de batalhas. Como pode viver tanto tempo longe, suspirou. Mas o volume no bolso do paletó o acordou do devaneio; embora soubesse que precisava agir com urgência, ainda não havia decidido. Abriu os olhos e avistou sobre a mesa da cabeceira uma folha de papel. A tinta ainda molhada, não impediu que lesse e se decidisse.
E então, ela abriu os olhos e se olharam encortinados em véu de lagrimas. Não havia palavras que coubessem em suas bocas, por isso, apenas roçaram os lábios demoradamente.
Ele então a afastou com todo cuidado e retirou do paletó os dois frascos, destampou-os, um a um, depositando-os sobre a mesa, pela primeira vez lhe falou: pegue o seu.
Ela não vacilou, pegou o verde olhando-o com ar de curiosidade.
Horas depois, estranhando o silencio, as pessoas foram olhar o aposento. Encontraram os dois abraçados, como se estivessem dormindo o sono dos amantes – dois frascos vazios caídos no chão, e entre eles uma folha de papel borrada com digitais ao redor:
Ah por que ainda escrevo?
Escrevo não só por que ainda existo
Mas porque todos os dias me visto pela manha com os bordados da esperança
Insisto em fazer dessa casa vazia que sou Eu
O lar que um dia lá pelo meio dia
Tu regressarás
E então preparo o alimento
Sustento destas paredes que deixastes com fome de sentimentos
E a tarde, com a força do meu amar
Lavo cada aposento com minhas lágrimas
Saudade cristalina que jorra da fonte do meu pesar
Do poço dos meus lamentos
E neste papel em branco que hoje somos nós
Não desisto,
 Todos as noites aqui desenho o meu desejo
Que um dia ao menos Tu me leias e diga:
Ela sempre foi a minha Poesia!





Ultima homenagem
(2011)
As pontas dos dedos passearam por entre as pérolas, contornado uma a uma, desistiu de conta-las. Afinal, do que serviria saber a quantidade? Bastava-lhe ser adornada por lembranças, cicatrizes de sofrimento das ostras e neste momento isso lhe caía bem. Pela última vez, deitou-as sobre a pele nua, no vale entre o pescoço e o colo; espaço quente, que reagiu como savana ao vento no fim de tarde, fora percorrida por prazeroso arrepio ao momento do primeiro roçar.
As pálpebras cerraram-se junto aos seus sentimentos, resguardando o recato das retinas que se banhavam, nuas, em lágrimas mornas; pareciam-lhe escorrer em sentindo invertido, inundando suas cavernas de lembranças, num demorado e sufocante afogamento, sortidos ecos que se consumavam em soluços.
Também não contou o tempo até seu último suspiro. Privada d’aquele sopro que a mantinha viva, já não importava respirar, viveria doravante de um ar de lembranças.
 E foi no balcão sobre os rochedos - testemunho de toda a fúria do mar, que arrancando de um golpe só, fê-las saltar, cintilantes como estrelas perdidas no céu - devolveu-as ao mar.
Já não havia mais motivos para adornar-se, que a fúria do mar as consumisse, com a mesma destreza que a fúria da ingratidão a consumia.
Mira-se no espelho agora, com um gélido olhar e o único sinal de vida que se percebe, é o vinco avermelhado que ficou...rasto de uma última homenagem...




Vingança Quente
(2011)
Embora digam que a vingança é uma iguaria que se aprecia fria, saboreava sua xícara de café com especial prazer. Agora com um perverso regozijo, as linhas do seu rosto desenhavam-se em traços suaves. Nada estragaria aquele seu momento de êxtase, nem mesmo os ruídos de sofrimento advindos do quintal, abalava sua mórbida calma.
Tramara minuciosamente seu intento. Pesquisara, consultara algumas pessoas e aos poucos foi montando seu plano de extermínio. Fora ladina, não mudou sua rotina, criara um ambiente propicio, para que pensasse que estava agindo sem ser percebido. Até lhe fizera mimos velados, não queria alerta-lo de que estava preste a tira-lo da sua vida com um golpe só. Era muita ousadia! Invadir-lhe assim sem pedir licença, sufocando-a deixando-a em panico. Não fora à toa que estava reconstruindo sua vida e não permitiria que um serzinho insignificante abalasse seus planos de liberdade e paz.
Após ter escutado o disparo da armadilha, nem se deu ao trabalho de ir olhar, não lhe daria a honra da sua presença. Com um prazeroso desprezo banhou-se, arrumou-se com esmero, calçou suas confortáveis botas. Estava pronta para receber os cumprimentos. Pegou o interfone e solicitou ao zelador: pode vir aqui, assunto de máxima urgência!
Ele chegou e ela o encaminhou ao quintal. Ele não acreditou no que viu: debatendo-se na ratoeira o vil camundongo que um dia ousou invadir seu quintal!
Agora, experimentava mais um prazer, perdera o medo de ratos...





Senhores... tenham cuidado comigo!
(2011)
Hoje acordei sentindo por dentro algo novo se movimentando...sabe quando você se olha no espelho e diz: ESTOU GRÁVIDA!
É assim!
O mundo lá fora, passa a se movimentar de forma diferente, o centro do seu umbigo é o próprio Universo. Percebe até o burburinho, mas, está muito ocupada para ater-se dele.
Não sabe ainda que forma tem - não consegue visualizar os traços da face, nem a textura da pele,mas, sente de forma inexplicável, todo o seu Ser trabalhando arduamente na criação dessa nova Vida!
É a magia que se processa no amago das suas entranhas, que infla sua alma e vai ocupando seu copo, que se dilata e vai se modelando, te arredondando, te diferenciando das mulheres comuns!

Hoje acordei assim! Plena de algo novo que brota...
Sai na rua e percebi as pessoas me olhando diferente, olhares mais plácidos, gentilezas mais apuradas, sorrisos mais abertos.

Pareceu-me que elas sabiam que:
Hoje acordei grávida de MIM!




Matreiramente- Parte I
(2011)
O avião pousou. O click dos cintos sendo desafivelados soou-lhe como o estouro de grilhões, enfim as merecidas férias.
O calor do sol o acolheu em seus braços como amantíssima mãe, o cheiro de maresia já podia ser sentido, ou seria apenas sua saudade do mar?
Quase 10 anos sem tirar férias de verdade, uma estafa galopante o obrigara a desligar e sair do burburinho do centro da grande metrópole, onde dirigia um renomado escritório de arquitetura. Agora não era mais apenas por puro prazer, fora uma urgência que o corpo lhe impunha se quisesse garantir a saúde, ainda ecoava a voz do médico decretando o diagnostico.
Tomou um taxi e seguiu para o hotel, como se estivesse arrastando um bonde pelas avenidas arborizadas. Estava tão cansado que nem conseguia se distrair com a diferente paisagem. Teria tempo para isso, pensou fechando os olhos e se afundando no estofado da sua carruagem.
Depois de cumprir as formalidades do hotel, jogou-se na cama tirando apenas o sapato. Adormeceu instantaneamente um sono sem sonhos. Despertou ainda procurando a paisagem do seu quarto, em busca do despertador que não saia da cabeceira, acordou, não estava em casa. Conferiu no relógio de pulso, assustou-se, dormira por quase 12 horas.  Era já madrugada, ainda sonolento foi conferir na janela a paisagem. Como pedira na reserva, a única coisa que o apartava da vista do mar era uma rua com uma calçada adornada por arboriza orla de coqueiros. A lua se fazia alta e cheia, produzindo um espetacular cenário no mar.
Agora mais calmo, respirou profundamente  aquele perfume de mar, que agora percebia como a falta que lhe acompanhara calada por tanto tempo. Sentiu-se revigorado e resolveu que começaria aproveitar agora. Banhou-se e vestiu-se com bermuda leve e camisa aberta de botões, uma sunga por baixo e uma sandália de couro que comprara no aeroporto, como um amuleto de boas vindas as suas férias; como seus pés estavam brancos, sorriu constatando.
Antes de sair, dado o horário, conferiu com a recepção as condições de segurança do local, podia explorar sem medos, havia guarda municipal na orla e também boa iluminação. Atravessou a rua e pisou na calçada, como pé direito, rumo ao mar. Desde quando se entregava aos misticismos? Sorriu, precisava fazer valer a pena, a muito vinha pensando sobre sua atarefada e solitária vida.
O barulho do vento, das ondas arrebentando na praia era um convite a um passeio na beira mar. A praia estava deserta, dada a hora, era só sua. Livrou-se sem pressa do calçado e sentiu sob os pés o frescor da areia. Precisou fechar os olhos para eternizar esse momento. Andando podia escutar o barulho da areia cedendo ao seu peso, uma deliciosa sensação de cócegas nessa massagem que lhe proporcionava relaxamento por todo o corpo. A brisa agora acariciava seu corpo invadindo as frestas da roupa. Embora estivesse sozinho, experimentou a sensação de completude; sob um manto de estrelas, uma lua cheia o saudava. O mar “iluminado” lhe oferecia a visão do infinito. Sentiu-se neste momento parte do universo.
(continua)

Matreiramente - Parte II
(2011)
(Continuação)

Após o passeio pela praia, retornou ao hotel mais relaxado, tirou o relógio do pulso e o depositou na gaveta, como num ritual sagrado; a partir de agora só se orientaria pelo sol – estava em férias e precisava levar isso a sério. Mais uma vez adormeceu.

Foi despertado com os raios de comandante das suas horas passeando pelo seu corpo, não havia fechado as cortinas. Espreguiçou gostosamente o prazer de poder acordar sem horários nem compromissos. Rolou na cama abraçando o travesseiro e ficou a pensar no quanto nos deixamos ser engolidos pela rotina, pelas tarefas e esquecemos de nós. Fazia as coisas quase que cronometradamente, agora percebia. 

Bem, hora de levantar, só percebeu que quase não se alimentara direito desde a chegada, pela reclamação advinda do estomago, estava faminto. Enquanto banhava-se tentou decidir o que faria durante o dia, mas pensando bem, achou melhor deixar ao acaso, afinal não era essa a idéia? Enquanto se enxugava, notou que a barba já estava despontando, decidiu também não barbear-se.

Durante três dias seguiu como folha ao vento. De dia corria na praia, nadava no mar, passeava pela orla, almoçava em diferentes lugares a beira mar. A noite sempre ia em um barzinho diferente, tomava umas cervejas, até ensaiou uma paquera, mas sempre voltava ao hotel sozinho. Nada de baladas mais fortes. Essa “rotina” já estava o entediando e nesta noite, homem ativo, o sono resolveu abandona-lo. O que fazer além de resignar - se? Decidiu dar uma andada, claro, seria na convidativa praia em frente ao hotel. Caminhou pela areia a ermo, sem se dar conta que se afastava das luzes. Os olhos iam se acostumando aos poucos com a pouca claridade e já podia ver melhor a beleza que a lua produzia sobre o mar, que agora em maré vazante, estava calmo e estendido como um lençol na relva. Como isso era bonito e relaxante, não cansava de admirar.

Jogou-se na areia quase deitado, sustentando-se sobre um cotovelo e de repente, o sangue lhe fugiu das veias. Não se dera conta do quanto havia se afastado do hotel, embora soubesse que o lugar não era perigoso, como já havia se informado, mas, tinha certeza que estava vendo um vulto saindo da água em passos lentos abrindo passagem por entre as leves ondas. Paralisado pelo medo de homem da cidade que convive com a insegurança, nem conseguira enxergar direito que da água surgia uma mulher. Só se deu conta quando os reflexos da lua desenharam sobre suas curvas. Enfim soltou pelo nariz um suspiro. Se fosse morrer agora em um assalto, seria pelas mãos de uma mulher, sorriu.

Ela caminhava como se viesse na sua direção, calmamente. Endireitou-se, sem saber se levantava e a abordava, também como ele, ela poderia assustar-se, já voltava a pensar agora. Mas, como ela caminhava na sua direção, e a visão era espetacular, resolveu levantar-se limpando o short com as mãos meio atabalhoado.

Agora ela já estava bem próxima e podia vê-la melhor, ainda desconsertado, ensaiou um sorriso, quiça de boas vindas. 
(continua)

Matreiramente - Parte Final
(2011)


Com o sorriso ainda meio amarelo, ele continua a olha-la, agora com os braços pendentes ao lado do corpo, o momento exigia concentração, o que lhe dirá?
Ela continua no seu caminhar, quase flutuando na sua direção. Sentindo a eletricidade do momento, até o barulho do vento roçando seu corpo molhado, conseguia escutar. Mais de perto, a noite enluarada permite perceber um leve traço de sorriso na sua face, agora, consegue entender Michelangelo. 
Pelos Deuses, ela era uma obra de arte! 
Nada calmo, continua estático na sua contemplação, como um totem, grudado na areia fria da praia. Um silencio monástico invade seus ouvidos e nesse momento se ve solto no ar pulando de um abismo. Indubitavelmente, fora transpassado por aquela figura etérea, num vácuo que o desequilibra jogando-o no chão. Olha para trás, sente como se ela continuasse seu caminho, mas, não a ve mais...como se nunca tivesse existido. 
Ainda incrédulo, olha ao redor, tudo continua o mesmo, o mar embalando suas ondas e a lua a lambe-lo como uma gata manhosa, a brisa tocando sua sinfonia inacabada em consonância com o coqueiral e ele, enfim, desfalece.

****
As histórias sempre mudam o rumo quando nos permitimos a olhar por outros ângulos, seguir outros caminhos...Agradeço a D. Zildinha e Selma pelo final, tramado e desenhado pelas duas.




A Viagem
(2011)
Estou frágil hoje, muito frágil!
Abri os olhos e disse: céus, ainda estou aqui!
Vivemos nossa vida com aquele “poder” de eternidade e nem nos damos conta de que temos apenas um “sopro” e a vida ligeira e implacável, quando bem entende vem e nos arrebata. 
Não te pergunta sequer, se já concluiu aquele livro que estava escrevendo ou se agradeceu a todos que se dispuseram a te ajudar, ou mesmo, se disse a todos que ama: EU TE AMO...
Não quer saber que voce tem planos de reconciliar-se com seus desafetos: PERDOE-ME; nem que ainda não disse a quem te magoou: EU TE PERDOO...
É meus caros, vivemos a nossa pretensa eternidade, acreditando que teremos poderes mágicos para fazer desaparecer o nosso bilhete de partida, quando ele chegar pelo correio...
Mas hoje, quero deixar registrado aqui, que a pouco olhei a minha agenda e ela estava em branco, não havia nenhuma data marcada, logo, preciso me organizar para que quando chegue meu momento de partir, voces não tenham muito trabalho...olha, vou forrar a cama, deixar as gavetas arrumadas e tem pouca roupa suja no cesto...o que tem na geladeira, dá para ser dispensado facilmente! 
Os documentos estão organizados, as jóias que possuía, já ofereci a quem de direito; os livros os discos, peguem o que quiser, o que sobrar, doem; as roupas, distribuam todas - alguém há de curtir os meus gorrinhos...
O dinheiro no banco dá para organizar uma boa despedida: a família sabe, não quero velório, só ser cremada na intimidade familiar e depois, comunicar aos amigos a minha partida, sem muitos alardes, como sempre gostei...as cinzas, serão espalhadas na curva do vento no Canto do Sol, quem me conhece sabe onde...
Não quero que pensem que estou num momento pessimista, ou até macabro, mas como boa capricorniana que sou, não poderia deixar de refletir sobre a minha última partida. 
Saibam que partirei tranquila, plantei árvores, me multipliquei - eu vi meu neto! Quantas pessoas não tem essa alegria-, escrevo diariamente meu livro, sem borracha! Não tenho arrependimentos...meus erros são os moldes dos meus acertos...
Ainda estou aqui, malas prontas, na certeza que breve ou distante, um dia, como todos, partirei...


(*) Minha homenagem a amiga virtual*(sala 40), que essa semana fez seu embarque...Boa viagem querida!


Entre os véus
(2011)
Neste momento Ela sabia que não podia mais ficar alheia ao chamado dos sons do deserto! O véu em suas mãos tremulam como a bandeira da rendição...

O cheiro de incenso da sala lhe invade as narinas alcançando-lhe a alma...a musica aos poucos vai despertando
sua porção mulher... 
...a muito, adormecida...
Se encaminha em passos falsos para o centro, a penumbra acolhe sua timidez, carrega ainda o peso dos dissabores que só os viajantes do deserto conhecem, embora já saiba que depois de toda tempestade de areia, os sobreviventes se reúnem para celebrar a vida, conscientes de que mesmo diante de todas as incertezas, sempre haverá um oásis em que poderão se recompor!
E é assim que a dançarina permite-se, entrega-se ao som que transcende a sala... já não mais domina o corpo, apenas sente cada célula ganhar vida própria...uma oferenda sagrada às deusas da fertilidade, em delicados movimentos que só uma alma feminina consegue executar com tanta simplicidade.
Nada mais enxerga a não ser o horizonte que se desenha a sua frente...olhos flamejantes como um crepúsculo no deserto ! 
Os quadris fremitantes se movem, como os camelos que afunda suas patas na areia para depois firmarem novo passo, insinuantes, movimentam os delicados adornos que agora enfeitam seu bailado. Os braços manejam o véu como mastros que fortemente sustentam as tendas...as mãos ganham vida própria com se os pulsos jamais as tivessem conduzido...
O que seria um colo, agora são formosas dunas que se movimentam ao sabor dos ventos guardadas por entre as montanhas morenas dos ombros...os fios dos cabelos soltos que esvoaçam, ora escondem, ora emolduram uma face concentrada ...
O shimmy lhe aquece o corpo, despertando o élan feminino... Por entre as coxas a seda se faz guardiã do centro sagrado...um ventre que se contrai em sensuais açoites...
E nessa margem de sensações, os poros abrem-se, expelindo gostas de suor que já lhe escorrem pelo vale das costas, expulsando os últimos resquícios das tristezas que lhe restam n’alma...
E assim emocionada, retorna... plena ! 
Haribaba !



L'Appétit em Prosa 
(2011)
A noite domina o firmamento, guardiã de um inesquecivel momento. Em homenagem, enverga seu mais rico e escuro manto, cinzelado por claras nuvens, com salpicados adornos de discretas e elegantes estrelas.
No interior do templo, a penumbra ofertada pelo lume de tochas de cera, desenha nas paredes do másculo ninho, o cenário de um lauto banquete regado por rubro vinho.
No leito, romanticamente salpicado por perfumadas pétalas vermelhas, entretidos consortes comungam a desatenção ao som stereo que solitariamente, projeta-se pelo ambiente. Impassível aos açoites de intermitentes respingos de fina chuva, mantem-se cúmplice silenciosa, testemunha envidraçada do mais insaciável apetite da humanidade.
Aparta-se em fendas, o tempo. O perdido, o que vai sendo consumado nas entrelinhas, o que vai deixando marcas...
Ao tempo repousam, a lassidão, os nacos de vida entrelaçados, envolvidos por delicadas tramas de algodão.
Assim, são flagrados por raios de uma irreverente aurora que desponta, despertando um novo dia, que faminto exige o desjejum.


 Monólogo silencioso
(2011)
Com trejeitos quase displicentes, divisou o ambiente exatamente na hora marcada. Avistou o garçom, seu já conhecido que em uma muda comunicação, indicou-lhe que a sua mesa favorita - a do canto entre o gradil de flores e a fonte - estava vazia.

Endireitou os ombros como quem veste uma pesada armadura, olhou de soslaio para seu momentâneo “cúmplice” e com passos calculados foi sentar-se. Ele aproximou-se com a sua habitual elegância e lhe perguntou – o mesmo de sempre? Embora naquele momento ela preferisse um Scott duplo e “cawboy”, assentiu com sorriso glacial. Não lhe cairia bem chamar atenção.
Seu café chegou e foi sorvido calmamente, como gotas de silencio...o pensamento, vagava pelas brumas das lembranças entretido nos ultimos acontecimentos. Fora surpreendida pelo quase anônimo chamado dele. Mesmo que o ar lhe faltasse, decidiu ouvi-lo. Falaram amenidades e dizendo que passaria pela cidade, convidou-a para um café. Em meio ao torvelinho de emoções ela viajou os anos luz que apartam a surpresa da decepção, seria desculpas para vê-la ou ela estava sendo apenas “mercadoria de troco”??! Uma maneira “agradável” de preencher seu tempo ocioso na cidade? 
Queria realmente vê-la? Se o motivo da visita fosse saudades, teria lhe dito sem rodeios, ele não era homem de dissimulações...
Não soube definir, mas, debilmente aceitara o convite.
E cá estava, mergulhada nas suas lembranças. Trajada como no primeiro encontro, aquele dia em que fora arrebatada na estação e que desde então, perdera a sua racionalidade tão peculiar de mulher decidida, destemida...oferecera-se ao amor sem exigencias, assumindo todas as conseqüências de não mais pertencer-se. Queria que ele soubesse o quanto fora marcante aquele momento.
As chamas da vela sobre a mesa dançavam, vivas imagens retidas naquele ambiente que já havia testemunhado a felicidade do casal. O Burburinho do ambiente, lhe invadiam os tímpanos, sorrisos displicentes, frases interrompidas, ruídos de beijos apaixonados...ela fazia parte daquela paisagem.
Para disfarçar os tremores das mãos, serviu-se de um guardanapo, cingiu-lhe entre os dedos e mergulhou novamente no seu mar de lembranças...realmente, só estava ali em nome da felicidade que experimentara ao seu lado, analisava agora. O que lhe diria? Não ensaiou nada, afinal, tudo entre eles sempre fora puramente acasional, nunca conseguiram fazer nada dentro de um escript...filhos do acaso que os unia e os acolhia, o mesmo acaso que os mantinha atados um ao outro... desfrutavam longas conversas sérias, bom humor, idéias inteligêntes, deliciosas brincadeiras inocentes...momentos de ternura simples e pura... momentos intensos de prazer beirando a exaustão...tudo perfeitamente encaixado, não havia excessos nem faltas...para ela ao menos, fora a magia das suas necessidade de menina romântica que trazia tão resguardada e recatada na sua mais impenetrável intimidade...ele fizera bem o seu papel!
Decerto, só um objetivo nesse momento caustico que já lhe fazia liquida as entranhas, precisava dizer-lhe olhando nos olhos, o que nunca lhe disse: que ele havia sido o SEU AMOR! Sim, por tantas vezes lhe dissera que o amor era só seu, intimo e particular e não dependia dele para existir. Ironicamente, hoje seria a única coisa que tinha em mente a lhe dizer, precisava liberta-se desse amor egoísta, nem que fosse para dizer adeus definitivamente a si mesma...
Pela primeira vez, desde que chegou, olhou em volta, com aqueles olhos de lago transbordando e a unica coisa que lhe parecia concreta era o relógio na parede a sua frente, que visto assim de longe, movimentava-se como um abismo em espiral que engolia o tempo...recebeu de volta uma piscadela... Arrepiou-se!
Talvez fosse de frio, percebeu agora a chuva, em consonância com a tormenta que lhe ia no intimo, aumentava rapidamente erremessando-se nos ladrilhos da fonte, escorria. De volta ao mundo concreto, começou a desconfiar que tudo havia sido um mero sonho, um sonho tão solitário como agora se sentia...a merce das punhaladas das gotas sobre a pele, foi rendendo-se a sua velha conhecida lucidez e a respiração agora retumbava em todo corpo, chegava a sentir o ruido dos poros se contraindo.
Levantou a cabeça e avistou o garçom observando-a, com apenas um olhar ele lhe trouxe a conta...saiu na chuva sem abrigo, agora, com o seu céu se esvaindo em grossos pingos de tristeza...podia chorar em paz!


Caída do ninho
(2010)

Inquietude e expectativas me invadem sem pedir licença...
Já não há mais chance de adiar, tudo correu à revelia dos meus desejos dissolvidos em uma saudade caustica ...
Os olhos escondidos por detrás dos óculos se movimentam como em sentido invertido e só enxergo as antigas paisagens...
Coragem! É a força que me mantém enfileirada nesse cordão, sabotando-me a fuga como um grilhão de aço...
No auge do meu inferno astral, empresto as asas metálicas na rota do caminho de volta...
No peito o descompasso do samba enredo inacabado, sobe pela garganta retumbando nos tímpanos, alheio-me aos avisos finais, só sei que preciso apertar o cinto...
Acomodada, agora mais que hermética, aterrisso do transe com a voz do momentâneo comandante do meu destino: atenção Senhores passageiros, dentro de instantes  voaremos em direção...ao passado!


PS: Vista seu melhor sorriso e vá ao Banco!
(2010)

Uma tarde primaveril sem nenhuma promessa...presa na pressa do cotidiano e atordoada com a tecnologia da modernidade, nem percebo o que estava deixando para trás...
Escuto uma voz imponente que me tira do transe das preocupações: - “ei, isso é seu?”
O tempo parece parar ao divisar o espaço entre minha introspecção e lindas mãos estendidas... a alma saboreia a alegria de um sorriso de prazer...
-“ah obrigada! Não sou ninguém sem eles!” (creiam, meus óculos! rs)
- “Agora podes ser quem quiser!” (Uma promessa ou um convite?)

(abre parêntese)
Impossível não perceber um encantador olhar sorridente que me observa com curiosidade... instigada pela resposta, também registro muitas coisas neste breve instante, não me passam despercebidas as covinhas que o sorriso acolhe, um belo porte...indiscutivelmente, gosto do que vejo e certamente que sem nenhum pudor, devolvo o mesmo olhar curioso...
...entro na fila acompanhada...entre olhares, um papinho inocente sobre segurança do banco, violência da cidade...o telefone toca, me distraio...mas, astuciosamente não perde o feeling, comenta do meu sotaque e quase me sentindo numa inteligente entrevista do censo me vejo sendo “dissecada”! Tá certo, aceito, afinal somos até do mesmo signo (gargalhadas)! Chega a minha vez, ele abre a carteira e me estende um cartão: “- quem sabe um café?”...penso rápido e audaciosamente viro o cartão e anoto meu telefone, devolvo: “ – quem sabe?” Saio sem olhar pra trás.
Viro a esquina do banco rindo sozinha das supresas , telefone toca: “- eu menti!”
Caracolas! Primeiro pensamento que me vem: casado...(&#%) mas...corajosamente pergunto: “- por que?”
Sorri e diz: “- não precisava pegar a fila, ia falar com o gerente! Que tal um café comigo mais tarde?”
Bem, bem...quase quarenta minutos de fila merecem uma recompensa!
(fecha parêntese)


A boca 
( Dedicada aos sorrisos largos 2010)
Alimenta o nosso corpo, mas também alimenta e fere a alma de outrem - quando sorrimos ou falamos coisas boas de ouvir, ou verdades incertas ou quando profanamos as verdades alheias...
Adornada por variadas pérolas: alvas como marfim, ou com falhinha no meio, tortinhos, os perfeitos, não importa...o certo é que sorri mais largo quem tem dente, infelizmente!
Consegue esboçar todo o sarcasmo, mas também, pode transformar a vida de alguém com simples desenhos de felicidade ao sorrir...
A mesma que emite murmúrios de dor, também, uiva lascivos sussurros de prazer...
E os beijos... um instinto animal que pode traduzir deliciosas carícias...o indescritível beijo (pa)materno, um inocente beijo estalado na face, um beijo elegante na mão, ou ainda, uma indecorosa volúpia de desejo onde duas bocas se procuram famintamente, mas também, há de ter o singelo selinho de carinho...ou a boca apenas encostada na pele!
Lábios finos ou carnudos, tanto importa, apenas uma “parte” do conjunto que é a face, e que poucos lembram, mas que é  o primeiro meio de comunicação do ser humano com o mundo, eis : a BOCA! 


 Despertar
(2010)
Em frente a um espelho, nua mulher se olha. Mergulhada em suspeitas sensações de absoluto abandono de si mesma, de uma completude serena. “Sobre o resto de luz que ainda vinga na janela, não consegue esconder o escarlate sobre a pele de uma fome recente, mordida ao avesso. A marca desse canibalismo, ali, a convencem ainda mais da sua única certeza: a solidão.”[i] 
A alma invadida pela sensação de liberdade que lhe foi concedida, pulsa com toda intensidade provando a paz que o seu ser almeja(um movimento de maré) lhe sustenta. A percepção se aguça e ela, quase que languidamente, se debate em uma respiração entrecortada. O cheiro do suor expelido pelos poros lhe invade as narinas. Ressaltando na pele a tatuada lembrança agridoce de uma consentida luxuria. Na mente pensamentos ordenados em forma de filme retratados no espelho a sua frente - emoldurada por escuros fios de uma harmoniosa cabeleira. Uma face decorada por duas contas escuras, como um céu sem estrelas sobre um manto noturno; esculpida em marcantes e exóticos traços, se desenha descontraída e discretamente denunciada pelo fulgor das sensações.
Seios rijos embalados pela respiração, se movimentando quase com vida própria. Ao fundo, um precioso detalhe – ela visualiza uma perfeita fotografia que desenha um casal, abraçados, felizes, admiram a sua imagem juntos. 
Um cenário esplendoroso, composição simétrica digna dos cânones renascentistas, uma perfeição que é denunciada apenas pelo corpo, tal qual um afinado violino, vibra com a sensação de plenitude, quando, dos seus lábios escapa um sensual suspiro sufocado (que se mistura com o ruído da derradeira gota de sangue que lhe esvai do corpo). 
Ao longe um despertador toca: a mulher desperta, mecanicamente, se apronta, fecha a mochila e ensaia a despedida, voltando-se apenas para dar uma ultima olhada no espelho - um lapso de memória lhe transpassa...um sonho - foi. 


[i] M.(um ponto na solitária costura)

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