29.4.12

Antropofagismo


Não mais permitirei que ninguém o faça por mim!
Rasgo-me por dentro, rasgo-me inteiro...
Nada restará do dia de hoje...
Engolirei até o último naco de amor...
Quero reeditá-los, mesmo que a dor seja o suporte em que deitarei os borrões da minha última lágrima de sangue...
Rasgando com os dentes o orgulho de não ter tido vergonha de se-los...
Abocanharei esse silencioso antropofagismo...
Saboreando meus ridículos pedaços por inteiro!

27.4.12

Souvenir


Já me é possível erguer os olhos...
Já não há mais medos...
A solidão faz-se companheira de todas as horas...
Por trás desse véu coagulado de sangue escoado...
Lume que me guia...
A tua face camuflada em sonhos perdidos...
Áspides calçam os meus pés cansados...
Enrodilhadas nas teias do tempo...voam...
Para além de um mundo que moldei com cinzéis de dedos endurecidos de saudade...
Fundido com o calor de um sentimento desmedido...
Tremula a pele em carne viva...
E ainda trago entre os dentes...
Souvenir do nosso último encontro...

Carta sem destinatário



Estranhamente foi a dor e não a saudade, quem me acompanhou quando abri aquela caixa. Lá estava ela. Dentro de um envelope vincado por inúmeras dobraduras escavadas pelo tempo.
Com os olhos umedecidos por uma emoção tardia, ousei macular aquele sepulcro, que a muito dormia o sono eterno. Devagar abri o lacre que gemeu alto, cedendo como uma parturiente que expulsa das suas entranhas a vida.
Já não havia mais o cheiro de sândalo, nem mesmo de tinta. Era um cheiro de um passado que não passou. Expandi as narinas e como náufrago na beira da praia, tomei o fôlego  como se fosse o primeiro de toda uma vida.
Não havia data no cabeçalho. E a li como se tivesse sido escrita amanhã, naquela noite em que raivosamente rabisquei as minhas dores até que se consumisse a última fuligem de grafite.
Não conseguia ordenar as páginas, dispunham-se embaralhadas como um jogo de taro prenunciando o meu futuro, num pêndulo como o enforcado, que morre e nasce para o martírio todos os dias.
Sobre a mesa lisa e despida de emoção estava Tu,
Envelope sem endereço de destinatário;
E entre meus dedos frios e suados de emoção estou Eu,
Borrada e amarrotada, cansada de carregar o peso de todas as dores do nosso abissal amor.

[Única lágrima]*


Olho com olhos que escoam a mansidão dos rios como veias retintas...
Por vezes congestionados como corredeiras encarnando o precipitar das cachoeiras...
Fecho os braços em volta das palavras num abraço de anoitecer na beira do abismo...
Morada insólita do meu querer...
Paredes caiadas em braile a espera dos teus dedos a ler-me...
Protegidas do vento que uiva lá fora a fúria dos versos que compus...
Como se quisesse levar embora de mim aqueles que não escrevemos juntos...




26.4.12

[Lasciva Diária]


Vem de mansinho...
Sobre os telhados marinados pelo orvalho...
Escavando as paredes nuas com os dentes...
Salta a janela entreaberta como um Arlequim...
E sob o olhar prateado da lua que já se recolhe...
Certifica-se se as portas estão bem cerradas...
Não quer despertar a inocencia mundana...
Antes do alvorecer nos lascivos gemidos da noite...
De um sensual “sufocamento”...
Ao ser penetrada pelo raiar do dia... 

24.4.12

[Braçadas]


É o silêncio quem diz tudo...

Querer as falanges dos teus dedos de clave do sol colhendo-me...
Seria como importunar os deuses insoniados...
Mas ainda aqui sobre a tessitura da pele...
Cultivo girassóis que nadam em direção dos teus passos...
E vão atapetando o dia com suas braçadas amarelecidas pelo tempo...
Plagiando as palavras que eu não te disse...
Sombreando as pedras do teu silencio...
Dos verbos adocicados que anseiam ser conjugados entre teus lábios...


É o silêncio quem tange tudo...

22.4.12

[Que se faça em mim]


Não me peça hoje, piedade como os pêlos eriçados da minha nuca...
A leveza da língua dos ventos ainda sopra sobre o mar dos meus sentimentos...
Não me venha falar de ontem...
Pois alados já são os pés desses gigantes que o sal da terra esculpiu para sombrear meu viver...
Não me venha falar do amanhã...
Deitei em oferendas as floradas dos meus mais coloridos sorrisos...
Abri os pulmões à soprar as velas...
Todas, até mesmo as que estavam rotas...
E como última homenagem aos deuses, abandono-me às ondas, dobaram-se como sinos a repicarem no meu entardecer...
E me portarei como marujo e mar que se reconhecem e se respeitam...
E esperarei a hora de aportar nesse cais...
Em mim todo o infinito...

21.4.12

[Florada de Abril]


Desatada balançando ao vento...
Trago em torpor as brumas que amanhecem encorpadas no aroma de uma xícara de café...
Sacudindo fora um ontem que se despede em galopes de ressaca...
Ainda me arrepio com o escoar do orvalho que a madrugada descansou nas pálpebras das insonias gemeas...
O vento desliza de mansinho desamarrotando a pele...
Desenrolando esse pergaminho de um registro que já nasceu patenteado...
E do penhasco que resguarda as mais raras orquídeas...
Escancarando minhas pétalas como um sorriso adocicado...
Floresço amornada sob o sol de Abril...

20.4.12

[Vivendo e aprendendo...]


O silencio sepulcral enfatiza os passos. Uma dança, um bailado. Um duelo iluminado pela luz dos olhares que expectam o próximo movimento. De um lado o exercito negro que avança pelo centro; do outro, o branco que taticamente contorna o flanco.
São promessa tácitas, exitos e derrotas nessa imensidão de possibilidades e todos já sentem na pele, os riscos do próximo movimento. Os peões sempre serão aqueles que vão de peito aberto defendendo um império que acreditam ser, também seu.
O vencedor será aquele que melhor souber se desfazer, até mesmo, daquilo que lhe é mais caro – algumas honrarias, como a segurança das torres e as bençãos dos bispos. Sacrifiquem-se os cavalos, se a recompensa for chegar pisando firme à glória. Tudo está perfeitamente tramado sobre o terreno polido, disposto em preto e branco.

E então se afaste, observe de longe e perceba, o quanto vil -, pode ser um jogador quando é subestimando na sua ingenuidade.

Definitivamente, esse é um jogo que um dia quero aprender a jogar de verdade, gosto muito do brado:
Xeque-mate!

16.4.12

[Oferenda]


Consuma-me...
Que seja com mordidas rasgadas ou lambidas de olhares contidos...
Venha-me como crepusculo dormente em cores e descortina a minha alvorada insone...
Escancara a boca infernal das labaredas dos mil sois, reconditos de todos os meus paraísos...
E crepitarei bem alto até que todos os meus demonios adormeçam...
Mas consuma-me...
Até a última foligem calada dos meus ais...

14.4.12

[Contemplação]



São rituais interruptos e consonantes com a minha essencia...
São minhas oferendas à vida que em mim prevalecem, consagradas como se postas em um altar...
Não subverterei a ordem dos desígnios do destino...
Sigo como os viajantes do tempo...
Tendo os meus pés desnudos de roteiros...
E a certeza como mãos que me aquecem nas angustias...
Presenciar o sol recolhendo-se nas anáguas do dia, como moeda sendo banhada a ouro...
Faz-me cada vez mais, reverenciar a minha noite, que amanhece no brilho do meu olhar reluzente como as estrelas...

1.4.12

Pelos meus olhos...pela minha lente: Luz!


Dedico esse espaço às texturas e tessituras da minha alma sublevada...
são textos mais curtos que a minha imaginação e
mais longos do que eu possa alcança...
Um véu, um manto...tramas que me encobre e desvendam o que sinto e pressinto ao longo da minha caminhada...

...os vincos e suas dobraduras...

[Navegando em Van Gogh]


Olho agora para o céu de Van Gogh e suas estrelas piscam para mim...
Eu já sabia que aquelas nuvens não eram nem de algodão, muito menos de açúcar...
Mas intimamente desconfiava que fossem um enorme rio e que eu pudesse no meu barquinho de papel...navega-lo...
Mesmo agora em que percorro essas linhas, não me importo que aos olhos do mundo sejam apenas volutas de tinta...
Mesmo agora que adulta tenha aprendido tecnicamente distinguir a realidade da ilusão...
Mesmo agora...
A menina sonhadora ainda mantém em seu seio, enlaçado em braços frágeis o seu caderno colorido de sonhos...
E quando ergo os meus olhos ao teu céu assim repleto de caracóis azuis, sinto toda a emoção de mergulhar nessa ilusão fofa de algodão e poder largamente sorrir com os lábios adocicados...
Pois, é lá no fundo que os rios correm mansos como sempre imaginei...
E as tuas tormentas sempre serão as ondas que me levarão para além do sol....
Para além de mim...
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...Sobre Imagens...

Informo que algumas imagens utilizadas aqui, não são da minha autoria, tendo sido em sua maioria, provenientes do google imagens. Ficando assim, à disposição dos seus respectivos autores, solicitarem a retirada a qualquer momento.

Fiéis escudeiros! Fàilte!