Estranhamente foi a dor e não a saudade, quem me acompanhou quando abri aquela caixa. Lá estava ela. Dentro de um envelope vincado por inúmeras dobraduras escavadas pelo tempo.
Com os olhos umedecidos por uma emoção tardia, ousei macular aquele sepulcro, que a muito dormia o sono eterno. Devagar abri o lacre que gemeu alto, cedendo como uma parturiente que expulsa das suas entranhas a vida.
Já não havia mais o cheiro de sândalo, nem mesmo de tinta. Era um cheiro de um passado que não passou. Expandi as narinas e como náufrago na beira da praia, tomei o fôlego como se fosse o primeiro de toda uma vida.
Não havia data no cabeçalho. E a li como se tivesse sido escrita amanhã, naquela noite em que raivosamente rabisquei as minhas dores até que se consumisse a última fuligem de grafite.
Não conseguia ordenar as páginas, dispunham-se embaralhadas como um jogo de taro prenunciando o meu futuro, num pêndulo como o enforcado, que morre e nasce para o martírio todos os dias.
Sobre a mesa lisa e despida de emoção estava Tu,
Envelope sem endereço de destinatário;
E entre meus dedos frios e suados de emoção estou Eu,
Borrada e amarrotada, cansada de carregar o peso de todas as dores do nosso abissal amor.
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