29.5.12

...Relíquias...


Não importava o por que...
Mas eles ainda se usavam...
Quando ela se fazia página em branco...
Ele a perpetuava com seus versos em letras de forma furiosos...
E quando ele se fazia páginas em branco...
Ela pregava fotografias no seu álbum de desejos...
Quando ela se fazia música...
Ele pisoteava suas partituras com seu sapateado ciumento...
E quando ele fazia música...
Ela sapateava enlaçada no par das suas lembranças...
E quando ela se calava...
Ele inundava os espaços com gemidos raivosos rasgando e emendando sua fotografia...
E quando ele se calava...
Ela rasgava o silêncio estalando na própria pele o chicote da saudade...
Se desejavam jurando nunca mais se tocarem... 
[re]toques com cheiro doce e sabor de fel...
E nessa pirraça simbiótica sibilavam um frustrado amor...
Em verso e prosa...
Rasgadas e costuradas...
Relíquias de um amor sem fim...


"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não.[...]"
[Clarice Lispector]

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