29.5.12

...Ninguém vai mais longe...


Ah poderia afirmar que me conheço...

Reencontrar o papel carbono...
Testemunho de páginas perdidas...
Ah poderia dizer-lhes se me aprovo ou não...
Sinto muito se decepciono...
Mas a muito troquei o divã pela estação...
Sobrou-me mais tempo...
Para simplesmente viver...

Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiúra é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu - eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivencia com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.

[Clarice Lispector] 

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